Uma pequena biografia de Chadral Rinpoche
Uma
vida bem vivida
em
'Mestres de Sabedoria' de Lyse Lauren
Amado
Senhor do refúgio, jamais poderemos restituir vossa gentileza.
Mergulhando
na vastidão da sabedoria
continuareis
a beneficiar incontáveis seres sencientes.
“Se
você não refletir sobre morte e impermanência
não
haverá como praticar o Dharma de forma pura.
A
prática permanecerá apenas como aspiração,
algo
constantemente adiado.
E
então você sentirá remorso quando a morte vier,
mas
daí será tarde!”
–Kyabje
Chadral Sangye Dorje Rinpoche
Enquanto
trabalhava nas etapas finais da edição do meu livro, nas primeiras
horas de uma manhã, recebi notícias de que meu mestre Chadral
Sangye Dorje falecera em Parping, Nepal. Dias antes ao receber um
comunicado de que ele não estava bem, tive o intuito de adiantar uma
lista de coisas que estavam por ser feitas, preparar as malas e partir o
quanto antes para o Nepal. Sabia muito bem que caso recebesse
notícias de seu falecimento não teria como me programar e atender a
todos os detalhes que precisasse para poder partir em seguida. E a
'notícia' veio naquele 5 de Janeiro de 2016.
Ele
tinha realmente atingido o
Tukdam,
um estágio final de meditação, a 30 de Dezembro de 2015, às
17:35, mas pedira aos membros mais próximos de sua família que não
anunciassem sua morte até que ele atingisse
totalmente Maha Paranirvana. Assim, eles mantiveram o ocorrido em
sigilo absoluto. Nem mesmo as pessoas que trabalhavam no local sabiam
o que tinha acontecido.
Chadral
Rinpoche viveu até a idade considerável de cento e quatro anos,
considerando-se o sistema Tibetano que inclui os meses de gestação
que antecedem o nascimento. Sua longa e grandiosa vida foi de
benefício para incontáveis seres sencientes. Ele guiou e tomou
conta de mim por mais de vinte anos e a gratidão que sinto, junto ao
sentido de profunda conexão que sempre haverá entre nós é algo
que não é possível descrever em palavras. Junto a Dilgo Khyentse
Rinpoche ele foi uma das pessoas mais centrais e importantes em minha
vida.
Desde
2009 não tinha sido possível me encontrar face a face com Rinpoche
mas para mim isso não era uma meta. Ele foi capaz de me guiar nos
meus anos de retiro e fui extremamente afortunada por ser capaz de
encontrá-lo quando precisei de suas orientações ou verificar
minhas experiências; assim pude completar as prioridades necessárias
daqueles momentos. Todavia, outros não tiveram tanta sorte e todo um
novo grupo de pessoas, jovens e velhas, de vários tipos e lugares,
perderam a preciosa oportunidade de contato direto com ele. No
entanto, sua influência continuou a alcançar distâncias e
amplitudes. Antes de 2009 Rinpoche era muito acessível embora ele
jamais permanecesse muito tempo num único lugar. Houve ocasiões em
que as coisas não caminharam da maneira que as pessoas esperavam mas
isso era parte da beleza de seu estilo e expressão. Nunca foi um
lama que se apegasse com o que lhe era querido, nem tampouco voltaria
atrás uma vez que uma decisão fosse tomada.
Cento
e quatro anos é um tempo considerável a ser vivido neste mundo.
Rinpoche conheceu e influenciou inúmeras pessoas, salvou incontáveis
vidas e
praticou suas próprias convicções sem comprometê-las jamais, seja
de que forma fosse. Sua vida foi de simplicidade e integridade e
permanece como testamento e exemplo luminoso tanto para nós,
afortunados o bastante para testemunhar ao menos uma parte dela,
quanto para aqueles que não tiveram a mesma sorte. Ele viveu sua
vida em mundos completamente distintos. Imagine o Tibete no começo
do século vinte, muito antes da ocupação chinesa, e tente comparar
essa época aos dias atuais! Ele transitou continuamente através de
ambos, nunca perdendo um passo sequer, nunca falhando em sua
determinação de beneficiar seres sencientes
Prático
e Espontâneo
Rinpoche
era um homem extremamente prático que não possuía sequer um traço
de hipocrisia. Ele era tão direto a ponto de as pessoas o temerem.
Ainda que fosse antes de mais nada um iogue tibetano, ele podia ser
bastante convencional. Ainda assim, não era possível enquadrá-lo
ou rotulá-lo seja como tradicional ou não-tradicional porque ele
espontaneamente emergia de acordo com cada ocasião. Seu foco foi
sempre a essência das coisas e ele tinha pouco tempo ou interesse em
qualquer outra coisa que fosse. Era um ser que incorporava os
ensinamentos do Buda, os quais 'adquirira' completamente através de
sua própria prática e experiência. Assim ele encorajava seus
estudantes a fazerem o mesmo.
A
espontaneidade de Rinpoche surgia de
viver o presente momento a momento, o que certamente
dava
margem a pequenos incidentes inesperados, alguns deles cheios de
humor. Lembro de uma manhã em que estávamos atarefados nos
preparando para ua viagem nas montanhas de Darjeeling. Pensávamos
ter tudo à mão e
quando disseram que o carro tinha chegado, Rinpoche levantou-se
subitamente
e
começou a caminhar em direção à porta. Rapidamente pegamos todas
as roupas que ele pudesse precisar e desajeitadamente começamos a
tentar vesti-lo à medida que ele caminhava. Uma vez que ele se
pusesse em movimento era difícil freá-lo. Sua filha, Semo Tara
Devi, estava lá nessa ocasião e assim, ambas tentamos vestir-lhe um
pulôver e cobri-lo com seu xale. Mas lá estava ele novamente
apressado em direção à porta e assim Tara calçou-lhe um dos
sapatos e eu o outro. Apenas quando Rinpoche já estava entrando no
carro nós fomos capazes de perceber que ele tinha um sapato
diferente em cada pé. Com certeza Rinpoche não notara.
Palavras
vãs em livros de prateleira eram coisa para estudiosos. Rinpoche
movia-se livremente pelos campos da experiência. Havia alegria e uma
sensação luminosa de liberdade sem fronteiras a seu redor. No
entanto era digno de nota o quanto Rinpoche era também um brilhante
estudioso e autor de pelo menos três livros que foram extremamente
lidos.
Autêntico
Ele
foi educado de forma excepcionalmente orgânica; seu aprendizado veio
através da experiência e revelou-se com considerável poder e
autoridade por ser completamente autêntico. Sua autenticidade nunca
me comoveu mais profundamente que numa ocasião quando um pequeno
grupo de estudantes mulheres reuniu-se numa tarde em seus aposentos
em Salbari Gompa para receberem os votos de Bodissatva.
Semanas
antes desse evento, um estudante ocidental de longa data e eu
estivemos discutindo particularmente a prática de Guru Yoga. Eu
ficara profundamente impressionada pela maneira como meu amigo
relatara algumas de suas experiências pessoais a esse respeito. Ele
discorrera sobre as qualidades de diversos sadanas e práticas mas
frisou que o Guru Yoga de Chadral Rinpoche era tão potente que as
bênçãos como que fluíam e eram quase que palpáveis. Ele
mencionara algo como o efeito de uma coisa que você
pode quase segurar as bênçãos em suas próprias mãos e
sentir-lhes o peso.
A
imagem que essa descrição criou em minha mente permaneceu comigo
muito claramente e naquela tarde, quando nos reunimos para receber os
votos, eu me lembrei dela. Eu já tinha recebido votos de Bodissatva
em várias ocasiões com outros professores; todavia, uma estudante
europeia pediu que ele outorgasse essa bênção a ela e de repente
eu me vi na afortunada posição de estar presente neste momento e
ser, portanto, parte desse pequeno grupo. Eu estava embevecida com
essa feliz ocorrência.
Devia
haver cinco ou seis de nós presentes naquele dia. Se me recordo bem,
éramos apenas duas mulheres estrangeiras, um casal de tibetanos e
uma ou duas das filhas de Rinpoche. Naquele tempo, Rinpoche
permanecia a maior parte do tempo no pequeno quarto da parte de cima
de sua casa em Salbari. Fomos todos chamados e ele nos acenou que
entrássemos em seu quarto e fechássemos as portas. Permanecemos
alinhados diante dele, sentado em sua almofada de meditação e
agasalhado num manto de pelúcia. Ainda que tivesse passado muito
tempo junto com Chadral Rinpoche em situações informais, estive
presente em poucas ocasiões em que ele ensinou formalmente ou deu
transmissões. E essa foi uma dessas raras ocasiões.
Com
sua voz profunda, ele nos pediu que fizéssemos três prostrações e
enquanto fazíamos ele pegou seu sino, seu damaru
(tambor) e começou a entoar a oração de linhagem do Longchen
Nyingtik, A Essência Central da Vasta Expansão.
A linhagem de Rinpoche é notavelmente curta e poderosa,
originando-se em Kuntuzangpo,
passada
para Jigme Lingpa e Gyalway Nyugu, indo depois para Patrul Rinpoche,
Nyoshul Lungtok e Khenpo Ngachung, quem por sua vez a transmitiu a
Chadral Rinpoche e Nyoshul Khenpo.
Não
me recordo de ter quaisquer expectativas do que estivesse por vir,
exceto uma agradável sensação antecipada que de maneira alguma me
preparou para o impacto do que viria a seguir. De forma súbita e
inexplicavelmente eu fui arremessada a um estado fora do tempo e me
senti plena de bênçãos de uma tal maneira que nem bem terminara
minhas três prostrações, um fluxo de lágrimas tomou conta de mim.
Eu não estava prevenida de forma alguma; sem lenços de tecido ou
descartáveis e nem mesmo uma manga comprida de camisa que viesse em
meu ausílio. Não eram lágrimas de emoção por alegria ou
tristeza, eram lágrimas que fluíam de alguma fonte armazenada do
meu ser. A cada momento que passava, era como se Rinpoche estivesse
abrindo cada vez mais a torneira de uma fonte de bênçãos. Nunca
tive tal reação em eventos anteriores em que fizemos os mesmos
votos. Foi algo sem precedentes e me pegou completamente de surpresa.
Enquanto
durou o evento eu continuei chorando. Lembro-me de sentir certo
embaraço por não ser capaz de controlar o que estava acontecendo
comigo ou mesmo assoar meu nariz. Eu estava completamente acabada,
tanto que nem pude perceber se alguém mais ficou tão afetada quanto
eu. Só me lembro do quanto me senti aliviada quando tudo terminou e
pude correr para meu quarto, lavar meu rosto e me recompor
novamente.
Convencional
e Inconvencional
De
várias maneiras, Rinpoche podia ser bastante convencional. Ainda
assim, em outras situações ele era completamente o oposto. Um
exemplo do quanto Rinpoche podia ser inconvencional, e do qual a
maioria das pessoas não se dava conta antes de seu falecimento, o que veio a causar surpresas para muitas delas, somente veio à tona
quando a
casa da família em Parping foi aberta ao público. Nas paredes de
Lhakhang, construídas dentro da propriedade, divindades hindus como
Shiva e Parvati estavam pintadas. Do lado esquerdo do templo, Krishna
e sua consorte Radha com todos os outros personagens e várias outras
representações desse tipo.
Bem
em frente à entrada do templo, localizado numa construção separada,
um lingam de Shiva de tamanho considerável. Para alguns budistas
tradicionais, isso pode parecer uma exentricidade grave para um lama
e algo até bastante inexplicável. Todavia, Rinpoche tinha ido além
da estreiteza da necessidade de confinar-se apenas ao panteão
tibetano tradicional. Ele não via conflitos nos temas. O que essas
imagens representam é uma expressão de energia em suas muitas e
variadas formas e isso é universal. Em mais de uma ocasião eu
estive com ele quando visitamos um templo hindu. Um lugar onde ele ia
regularmente era o templo de Tiger Hill, próximo a Karjeeling e
outros templos em lugares diferentes.
Integridade
Havia
total integridade em tudo o que fazia e isso era sem dúvida o motivo
pelo qual ele podia trazer o tradicional junto ao que não era
tradicional.
Deixou bem
claro
que não perpetuaria a si mesmo na linhagem dos tulkus
e declarou abertamente que não haveria reencarnação. Essa seria
sua última vida. Nos últimos anos, após
o falecimento de vários mestres, o que acontece é que um número de tulkus se candidata e
surge daí um amontoado de controvérsias. Rinpoche tomou sua posição
como um límpido cristal, evitando assim qualquer complicação
futura. Evitou sempre os mosteiros e grandes instituições e
sublinhou consistentemente a importância da prática em retiros
solitários com o intuito de ter experiência direta com os pontos
essenciais do Darma.
Em
muitas ocasiões Rinpoche comentou que algumas pessoas que vinham até
ele se vestiam como praticantes mas não tinham na realidade qualquer
experiência interna estável, ao passo que havia outros que pareciam
ser pessoas bastante comuns e que não tinham de forma alguma a
aparência de praticantes mas que eles eram de fato verdadeiros praticantes.
Para Rinpoche, um verdadeiro praticante era alguém que reconhecera a
pura
natureza e
alcançara estabilidade em estabelecer-se ali.
Ele
enfatizava para nós o fato de que não podemos julgar ninguém
somente pelas aparências. Ele fundou muitos centros de retiro depois
de ter se mudado para a Índia no final dos anos 50, dessa forma,
aqueles que vinham a ele podiam praticar em lugares apropriados e
assim exercerem os ensinamentos obtendo experiência com eles em
primeira mão.
Prática
Ele
nos chamava a atenção para o fato de que temos que praticar o Darma
no sentido de obtermos os benefícios dele para nós e para os outros.
Rinpoche passou muitas décadas de sua vida fazendo simplesmente isso
e frequentemente sob as mais difíceis condições. Por muitos anos
ele vagou pelo Tibete permanecendo em cavernas ou numa pequena tenda
com nada mais do que aquilo que podia carregar em seus ombros.
Poderia facilmente ter passado seus dias no conforto e comodidade de
alguns dos mais ricos mosteiros. Viveu verdadeiramente uma vida de
exemplo daquilo que mais tarde encorajaria outros a fazerem também.
Um
mestre não é capaz de nos dar algo que já não tenhamos. Ele ou
ela simplesmente nos alertam a respeito de nosso potencial verdadeiro
e inerente. Fica por nossa conta compreender e alcançar experiência
verdadeira do nosso estado natural interior ao acolher tais conselhos
em nosso coração. Ele estabeleceu muitos lugares simples onde os
praticantes ficariam juntos ou onde pudessem estar sozinhos para
praticar o Darma sem qualquer distração. Rinpoche sempre enfatizou
a necessidade de alcançar experiência através de retiros e quase
que a grande maioria de seus estudantes esteve em um ou dois retiros
sob sua orientação e cuidados.
Compaixão
A
motivação de um verdadeiro Bodissatva é a de que nossas vidas
deveriam ser uma expressão daquilo que pode trazer benefício ao
outro, cada ação é preparada no sentido de orientar o próximo em
direção à verdade. Mais do que dispender nossas preciosas vidas e
energia em atividades sem sentido e em distrações, ele nos
encorajava a beneficiar os outros através da prática coordenada e
sincera motivada por bodichita. Da mesma forma que o perfume de uma
flor que não precisa de nada em particular e mesmo assim afeta e
purifica todo o ambiente com seu aroma, assim também nossa prática
irradia sua fragrância através do espaço.
Logo
depois que Rinpoche exilou-se na Índia vindo do Tibete ele fez um
voto de renúncia ao consumo de carne. Isso aconteceu nos anos
sessenta, muito antes de se tornar moda. Antes, ele fora um contumaz
consumidor de carne como qualquer outro tibetano. E uma vez que ele
decidiu abster-se, sua postura tornou-se imutável, todos os templos
e centros sob sua direção tornaram-se lugares onde não se consumia
carne. Aqui novamente ele foi um exemplo daquilo que pregava e viver
até a idade em que ele viveu simplesmente comprovou o fato de que
seres humanos podem sobreviver saudavelmente seguindo uma dieta vegetariana.
Ele
fez uma missão da tarefa de libertar incontáveis números de peixes
dos viveiros em Kolkata e outros lugares. Outras espécies de vida
selvagem também foram resgatadas de forma semelhante. Sua compaixão
revelou-se através de uma série de atividades que trouxeram
liberdade a incontáveis seres sencientes.
O
Humor
Era
um deleite passar o tempo na companhia de Rinpoche. Havia sempre uma
profusão de risadas e desafios de caráter leve e divertido. Houve
muitas ocasiões bem humoradas mas uma delas por algum motivo me
ocorre agora. Num dos anos em que estávamos no Centro de Retiro em
Lhakhang, na região de Helambu, Nepal. Naquele momento um grupo de
devotos tinha vindo de Sermatang para acompanhar Rinpoche ao mosteiro
deles. Perto de trinta dos mais velhos e do mais elevado escalão dos
moradores do vilarejo tinham feito a jornada a pé para saudar
Rinpoche e acompanhá-lo de volta até lá. Haviam trazido com eles
um pequeno e robusto pônei que
Rinpoche deveria montar na trilha até o lugar de destino. Esse pônei
era um velho conhecido e particularmente um animal favorito de
Rinpoche; tinha sido usado por ele em outras situações no passado
Na
manhã em que estávamos a ponto de partir todos se reuniram próximo
à cabana de Rinpoche. Ele montou no pônei e um grande e feliz
sorriso brotou de sua face. Um dos lamas seguiu à frente manejando
um facão para assegurar que o caminho ficasse livre de qualquer ramo
de árvore ou outro obstáculo e os restante de nós seguiu atrás.
Mal o pequeno animal começou a se mover, expeliu um pum muito alto!
Nós podíamos ver Rinpoche adiante se chacoalhando de tanto rir e todo
mundo fez o mesmo. O fato é que o animal continuou nesse entusiasmo a
cada poucos minutos, o caminho todo até chegar em Sermatang. Sabe lá
Deus o que ele tinha comido em seu desjejum! Não é preciso dizer
que todos mantivemos uma distância considerável e respeitosa dele.
A
Visão
Acima
de tudo, Chadral Rinpoche nos encorajava a reconhecermos nossa
verdadeira natureza, já que absolutamente nada mais será de
utilidade para a longa jornada. Este, e somente este é o ponto
principal e crucial. Ao reconhecer e praticar, traremos todos os
outros demais fatores de nossa vida a um equilíbrio. Essa é a
grande panaceia, a única coisa que traz resolução a tudo que causa
confusão e sofrimento neste mundo. Numa ocasião incrivelmente
preciosa, quando ele transmitiu a alguns de nós suas instruções
quintessenciais, referiu-se a essas orientações dadas, como se
fossem 'o sangue de seu coração'. Tal tesouro tem o poder de
liberar incontáveis seres; precisamos apenas abrir nossos corações
e rezar com devoção direcionada. Nossa devoção é como o sol que
derrete a neve no topo da montanha.
Devoção
Alguns
dias após divulgarem
as notícias de seu falecimento, eu me pus a caminho do Nepal vinda
do sul da Índia. Estivera lá pela primeira vez depois
de
quase dez anos, em agosto de 2015
e tive a grande sorte de ver Rinpoche nas
cercanias de Parping em inúmeras ocasiões. Tinha ido com o intuito
de prestar minhas homenagens enquanto ainda estivesse na região e
assim, vim desde Darjeeling, tendo passado os meses de verão em
minha cabana de retiro nas montanhas.
No
entanto, essa
última visita foi feita sob circunstâncias muito diferentes e
trazia consigo um sentimento também
diferente.
Em plena metade do inverno e na pressão não apenas do frio mas
também da
profunda miséria econômica e política, havia ainda uma nova dimensão
adicionada ao sentimento de tristeza pelo seu falecimento. Cortes de
energia descomunais e escassez de alimentos de todo tipo eram então
a ordem do dia e isso não se devia apenas aos resultados do forte
terremoto que acontecera há alguns meses. Tudo isso era devido à
ganância e visão limitada de uma
elite
privilegiada. Apesar disso tudo, ou mesmo por causa disso, tanto a
população próxima quanto a distante veio a Parping. Vieram em
caravanas para prestar suas homenagens e receber as bênçãos desse
relicário.
Inicialmente
passei alguns dias dentro da capela
do Templo e participei da cerimônia que estava acontecendo. Mas
então, tudo ficou tão congestionado de pessoas que me retirei para
um lugar no lado de fora, abaixo da área do templo. Toda noite,
antes que o puja terminasse, eu me dirigia ao templo e permanecia
perto de uma janela aberta para poder recitar as palavras da oração
do Guru Ioga junto com os lamas que estavam reunidos em seu interior.
Para mim, esse veio a ser o momento mais comovente dos dias em que
pude estar presente ali. Invariavelmente, assim que o umsey,
o dirigente dos cantos, começava a cantar essa oração em
particular, sua voz embargava
e se desvanecia. Algumas vezes ele tinha que parar de cantar e daí
outro lama rapidamente tomaria seu lugar. Rinpoche tinha arrebanhado
tantos de nós para estarmos juntos que o sentimento de que éramos e
somos uma grande família ainda permanece. Como poderemos esquecer sua gentileza?
Um
exemplo
Dia
após dia eu me sentava e assistia a torrente humana, jovens e
velhos, ricos e pobres, todos passando ao redor e no recinto do
templo onde o Kudung
estava disposto. Não foi fácil a essas pessoas fazerem essa jornada
às margens do Vale de Catmandu. Os meios de transporte deles eram
inadequados e com frequência, terrivelmente super-lotados. E eles
continuavam vindo...
É
profundamente comovente e tênue de se ver como a vida de alguém que
é motivado em direção ao benefício do próximo
pode influenciar tantas
pessoas
em
contrapartida
ao lucro temporário e ganância que existem às custas de
tantos outros. Que contraste marcante e mais ainda, comovente, tudo
ser assim!
Precisamos
de bons exemplos de como viver nossas vidas e como dar prioridade
àquilo que é mais significativo. E com certeza não teremos muitas
oportunidades de constatar isso. Onde quer que olhemos podemos
encontrar inúmeros exemplos de vidas gastas em dissipação e
distração, ao passo que uma vida
bem vivida
é de fato algo raro.
Posso
apenas me rejubilar no exemplo de Rinpoche que foi e
permanecerá sendo profundamente significativo, não apenas para mim mas
também tantos outros. A radiância do que ele legou ao mundo
continuará a ter seus efeitos benéficos no futuro e de fato a
humanidade tem um longo futuro antes disso. Nos dias de hoje, não
podemos ter certeza de nada exceto dessa única coisa verdadeira
da qual falamos ao longo deste texto.
Que
você seja movido a descobrir por si mesmo e desse modo fazer sua
própria vida ressoar com o que é verdadeiramente significativo. Com
a pura motivação de Bodichita, a pura intenção de alcançar
iluminação para o benefício de todos os seres sencientes, cada um
de nós tem o poder de transformar o mundo.
Que
possamos
manter
para
sempre
tal pensamento em
nossos corações e mentes.
“Precioso
Bodichita, a mais elevada atitude!
Onde
não tiver nascido, que germine!
Onde
nascer, que cresça
elevando-se
cada vez mais na direção do Alto.”